Aproveitamento de resíduos de pedreiras de rochas ornamentais como agregados para base e sub-base de pavimentos

Trabalho apresentado na V Jornada do Programa de Capacitação Institucional do Centro de Tecnologia Mineral

Por Conexão Construção 28/08/2017 - 16:44 hs

Por Hieres Vettorazzi da Silva e Nuria Fernandez Castro*

Os materiais utilizados na base e sub-base de um pavimento devem apresentar boa resistência compressiva, baixa deformabilidade e serem suficientemente permeáveis para evitar danos estruturais ao pavimento. Os resíduos de rocha ornamental acumulados em pedreiras, ao longo de décadas de atividade, representam um passivo ambiental importante tanto pelo impacto visual que causam quanto pelo inadequado aproveitamento de recursos naturais. Geralmente encontram-se estocados em depósitos de estéreis, conhecidos vulgarmente como “bota-fora”, em volumes acima de milhares de metros cúbicos. Visando à sustentabilidade da produção de rochas ornamentais, o objetivo central deste trabalho é indicar depósitos de resíduos de pedreiras no estado do Espírito Santo que possam ser aproveitados na pavimentação da Rodovia Governador Mario Covas BR-101, cuja duplicação está em fase inicial. Após uma etapa anterior de seleção documental e mapeamento por geoprocessamento, na qual foram identificados 72 alvos potenciais, foi realizado um trabalho de campo constatando-se que 23 pedreiras teriam disponibilidade de aproveitamento, em função da quantidade disponível e da distância à rodovia. A segunda etapa, em andamento, consistiu na coleta de amostras nas frentes de lavra selecionadas e sua caracterização no Núcleo Regional do Espírito Santo do Centro de Tecnologia Mineral - NRES/CETEM/MCTIC. As análises e ensaios pertinentes ainda estão sendo realizados, mas, com os resultados até aqui encontrados, é possível indicar que o aproveitamento de parte desses resíduos na base da pavimentação da BR-101 é viável econômica e tecnologicamente.

1. Introdução

O principal resíduo sólido da lavra de rochas ornamentais é o grosseiro, constituído de pedaços de rocha provenientes do desmonte, desmembramento das bancadas e recorte em blocos. Considerando um aproveitamento médio, nas pedreiras, de 20-25%, a quantidade desses resíduos gerada no pais pode se estimar em 30 Mt anuais, mais da metade das quais no Estado do Espírito Santo. Esses resíduos geralmente são estocados próximo aos pátios de extração das pedreiras, na maioria das ocasiões completamente soterrados por solo removido durante a abertura das frentes de lavra, o que inviabiliza algumas aplicações com uso mais nobre ou então que atendam demandas regionais de grande importância. (VIDAL et al.,2013). Por outro lado, a Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei 12.305/2010 obriga à gestão adequada dos resíduos, instando à busca de soluções para seu aproveitamento ou reciclagem e uma aplicação que pode absorver grandes volumes de materiais rochosos, como esses resíduos, é seu uso como agregados.

Projetos de pavimentação rígida ou flexível comtemplam uma delgada camada granular localizada abaixo dos níveis de revestimento, denominada base ou sub-base, que serve para controlar a uniformização do pavimento, sendo capaz de absorver cargas e evitar mudanças indesejáveis de volume das camadas adjacentes, causadas pela infiltração de água ou de cargas do tráfego rodoviário ao longo do tempo (DNIT, 2006). Normalmente, a escolha do tipo de agregado e solo a ser utilizado em projetos de pavimentação deve satisfazer requisitos tecnológicos embasados em ensaios laboratoriais e práticos in situ, considerando, além dos fatores técnicos, a disponibilidade de volumes nas jazidas e se estas estão próximas ao nicho de comercialização. Geograficamente, o trecho da Rodovia BR-101 (em fase de duplicação) que atravessa o estado do Espírito Santo, do sentido sul para norte, discorre ao lado de grandes maciços compostos geralmente por rochas de composição silicática ígnea e metamórfica, variando o teor em sílica (SiO2) entre tipos ácidos, intermediários e básicos. Por se tratarem de rochas de composição silicática e de alta cristalinidade, os resíduos das pedreiras capixabas, teoricamente, apresentariam bom potencial para seu uso na pavimentação da rodovia. Sob esta ótica de uso, tal aproveitamento serviria como solução a curto prazo para um problema que se arrasta há décadas, com capacidade de absorver grande parte dos resíduos estocados, sem contar os ganhos indiscutíveis de infraestrutura, principalmente para as comunidade rurais, caso este uso se estenda em obras de pavimentação de estradas vicinais, importantíssimos para a competitividade dos produtos e serviços, já que o Estado possui como foco principal atividades de renda focadas na produção agrícola e agroturística.

2. Objetivos

O objetivo deste trabalho é apresentar um mapa de potencialidades para aproveitamento de resíduos sólidos grosseiros oriundos da lavra de rochas ornamentais, para a composição da base dos pavimentos rodoviários sob a forma de agregados minerais durante a pavimentação e duplicação programada da Rodovia Governador Mario Covas BR-101. Os objetivos específicos são: mapeamento, identificação e amostragem das frentes de lavra próximas à rodovia; caracterização tecnológica das amostras como agregado mineral para este uso específico; e por último, confecção de um mapa de potencialidades de aproveitamento dos resíduos que contenha dados de quantificação de volumes, frentes de lavra em operação, distância para transporte e indicação de viabilidade tecnológica.

3. Material e Métodos

O trabalhou iniciou com uma etapa de levantamento de informações, mapas e imagens para a elaboração de um mapa georreferenciado para identificação e escolha dos locais de interesse para o trabalho. Foi realizado também um amplo estudo bibliográfico sobre caracterização tecnológica de agregados e especificidades de seu uso na pavimentação rodoviária. A partir do mapa geral, foi realizado um trabalho de campo para definir parâmetros de exclusão de alvos identificados e elaborado o mapa de alvos potenciais em função do volume e estado de deposição ou soterramento dos resíduos e da distância do empreendimento de interesse à rodovia, considerando 25 km como limite para o aproveitamento após apresentação e debate do tema proposto com a gerência de engenharia da empresa concessionária. A etapa também inclui cadastramento das pedreiras, coletados dados da produção e operação da lavra, cubagem dos depósitos de resíduos e amostragem, nos casos de interesse, conforme especificado na norma NBR NM 26 (ABNT, 2009).

Inicialmente, parte das primeiras amostras coletadas na região sul foram caracterizadas no laboratório de Pavimentos da COPPE-UFRJ. Posteriormente, decidiu-se proceder as análises no recém-criado Laboratório de Resíduos do CETEM/NRES em Cachoeiro de Itapemirim, escolha feita pela maior facilidade logística para o desenvolvimento do projeto, pretendendo também aproveitar a crescente demanda de empresas do setor que buscam alternativas tecnologicamente sustentáveis para mitigação de seus passivos ambientais. Para que o projeto pudesse se desenvolver no NRES, foi feita a adequação e complementação do referido laboratório para atender as necessidades mínimas de equipamentos para caracterização dos agregados minerais, sendo adquiridos um britador de mandíbulas especialmente produzido para este tipo de resíduo, um peneirador manual, peneiras para ensaio, conjuntos específicos de equipamentos, um curso para preparação de lâminas delgadas em parceria com a UFES e IFES, uma unidade para preparo de lâminas delgadas na usina piloto do NRES e treinamentos, palestras e minicursos em instituições de ensino parceiras do CETEM no Estado apresentando conteúdos relacionados ao tema de estudo. Também foram retomadas importantes parcerias no intuito de fornecimento tecnológico para associações ambientais de aterros de resíduos no estado como AAMOL (Associação Ambiental Monte Líbano), ADAMAG (Associação de Desenvolvimento Ambiental do Mármore e Granito) e ANPO (Associação Noroeste de Pedras Ornamentais). Atualmente, os projetos encontram-se em continuidade com resultados promissores.

Os ensaios de caracterização foram realizados nas amostras coletadas nos depósitos de resíduos das pedreiras de acordo à rotina de caracterização disponibilizada pela empresa concessionária para uso dos agregados em projetos de base e sub-base: NBR 15577-1 Agregados – Reatividade álcali-agregado; NBR NM 248. Agregados: determinação da composição granulométrica; NBR 7809. Agregado graúdo: determinação do índice de forma pelo método do paquímetro; NBR 5564. Via férrea – Lastro ferroviário – Requisitos e métodos de ensaio; DNER ME 084. Agregado Miúdo – Determinação da densidade real; e NBR NM 51. Agregado graúdo: Ensaio de abrasão Los Angeles.

4. Resultados e Discussão

Ao total, como resultado do geoprocessamento, foram identificadas 72 pedreiras, das quais, no Sul, existem ao todo, apenas 12 em operação, enquanto que no Norte existem 11 pedreiras em operação (SILVA;CASTRO, 2016). Apresentam-se aqui os resultados preliminares da caracterização tecnológica dos tipos litológicos principais encontrados na região de estudo.

As amostras PROD 04, PROD 05 e PROD 13 (Tabela 1) são granitoides equigranulares finos, mesocráticos, moderadamente a altamente microfissurados e característicos da região sul do estado, comercialmente conhecidos como Cinza Andorinha (PROD 04 e PROD 05) e Prata Imperial (PROD 13). Na região sul, ao total existiriam disponíveis 445.000 m³ deste tipo de rocha para aproveitamento, distribuídos em pedreiras nos municípios de Mimoso do Sul, Cachoeiro de Itapemirim e Iconha.

A amostra PROD 10 é um gnaisse migmatítico conhecido comercialmente como Blue Fantasy por possuir cor suavemente azulada proporcionada pela alta concentração de cordierita na composição mineralógica. Esta rocha é muito semelhante ao famoso “granito Preto Indiano”, onde ao total, no município de Rio Novo do Sul, estariam em disponibilidade, cerca de 55.000 m³ de resíduo grosso. O “granito Gold Black” (PROD 12) é uma ocorrência bastante pontual de um gabro lavrado em matacões decimétricos. Ao total estariam disponíveis em Iconha 55.000 m³ deste material. No Norte, as pedreiras estão menos próximas da rodovia que no Sul. Mas a quantidade de resíduo acumulado nas poucas pedreiras visitadas é enorme. Somente em Aracruz, estariam disponíveis 830.000 m³ de resíduo de noritos, comercialmente conhecidos como Preto Aracruz e Preto Brilhante (PROD 16). Essas rochas possuem composição máfica de cor negra esverdeada e variam modestamente no teor de minerais máficos. Em Colatina, estimamos mais de 2.540.000 m³ de resíduo, de 5 empresas, de norito conhecido como Preto São Gabriel (PROD 17), rocha equigranular fanerítca, com modesta variação na dimensão dos cristais da matriz e intensamente negro (SILVA; CASTRO,op. cit.). As análises granulométricas realizadas nas amostras mostraram muita homogeneidade e curvas semelhantes às dos agregados comumente utilizados comercialmente. (Acesse a galeria de imagens, ao final do texto, para ver a Tabela 1) 

Apresentam-se, na Tabela 2, os resultados dos ensaios de caracterização dos índices físicos, de forma e resistência mecânica a abrasão e impacto das amostras. Como era de se esperar, praticamente todas as amostras, salvo algumas pequenas considerações em alguns ensaios, apresentam resultados para aproveitamento conforme recomendações da NBR 15155 e da especificação interna ET-S2.001.000-PAV/005 da empresa interessada no projeto. Quanto aos índices físicos, o esperado para rochas máficas foi encontrado, tendo os granitóides as massas específicas entre 2,55 g/cm³ e 2,70 g/cm³, enquanto que as rochas máficas com valores entre 2,84 g/cm³ e 2,95 g/cm³. A amostra PROD 10, que possui composição mineralógica intermediária entre máficos e félsicos, apresentou massa específica entre os valores dos granitóides, 2,68 g/cm³. As absorções de água podem ser consideradas baixas, se compararmos os valores variantes entre 0,35% e 0,62% ao encontrado na literatura que estipula valores máximos para uso de até 2%. A densidade do agregado miúdo (<4,75mm) seguiu a moda dos resultados do agregado graúdo, porém, com valores algo superiores para os granitóides, possivelmente pela maior participação de partículas de minerais máficos concentrados nos miúdos, que é perceptível visualmente.

Todos os índices de forma dos agregados graúdos determinados estão dentro do aceitável (Tabela 2), que é de 3 unidades adimensionais. Caso seja necessária uma melhoria nos índices, variáveis tecnológicas da britagem podem ser ensaiadas para alcançar produtos de maior cubicidade. É perceptível que as duas amostras de noritos (PROD 16 e PROD 17), como esperado de seus tipos litológicos, apresentaram índices de cubicidade melhores que os demais do trecho Sul. Ao contrário do esperado, o gabro “Gold Black” e o gnaisse migmatítico “Blue Fantasy” apresentam valores destoantes, o primeiro com valor pior que seus correspondentes máficos, e o  segundo com valor melhor que o previsto, considerando sua forte estrutura fortemente bandada que sugeriria índices de forma melhores. (Acesse a galeria de imagens, ao final do texto, para ver a Tabela 2)

O ensaio de abrasão Los Angeles revelou que todos os materiais podem ser aproveitados, até mesmo a amostra PROD 13 que apresentou um valor bem acima dos 40% exigidos para este uso, em dependência de outras características. Novamente os noritos do trecho Norte apresentam resistência acima dos demais do trecho Sul, seguindo os resultados de índice de forma, como era esperado, apresentando assim alguma correlação.

5. Conclusão

Conclui-se a partir dos resultados alcançados que o aproveitamento dos resíduos das pedreiras na base de pavimentos pode ser uma alternativa sustentável ao depósito desordenado e viável para a maior parte do trecho da BR-101 que atravessa o estado do Espírito Santo, principalmente em regiões onde a concentração de frentes de lavra é maior. A viabilidade tecnológica ainda não foi totalmente comprovada para todos os materiais extraídos, mas, considerando os requisitos comumente exigidos para agregados de base de pavimentos, e pelos resultados obtidos para alguns deles, espera-se que a maioria possa ser usada. Uma vez finalizado o mapa de disponibilidade, aqui proposto, será apresentado à empresa que detém a concessão da rodovia. Os resíduos poderiam ainda ser aproveitados na pavimentação vicinal do Estado, principalmente em regiões como o noroeste do Espírito Santo, onde a densidade de pedreiras é grande.

6. Agradecimentos

Agradeço primeiramente a toda equipe de trabalho pela inestimável ajuda, ao futuro geólogo Lucas Guedes que me auxiliou em algumas caracterizações e que fizeram parte de seu trabalho final de graduação, ao CETEM, em especial ao NRES e ao CNPQ pela bolsa concedida. Por último, gostaria de agradecer todas as instituições colaboradoras que disponibilizaram equipamentos, equipe técnica e tempo para execução e deste trabalho.

7. Referências Bibliográficas

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. NBR NM 26:2001 Agregados – Amostragem. Rio de Janeiro. 10p.

. NBR 15577-1:2008 Agregados – Reatividade álcali-agregado. Rio de Janeiro. 11p.

. NBR NM 51:2010 Agregado Graúdo – Ensaio de Abrasão “Los Angeles”. Rio de Janeiro. 13p.

. NBR NM 248:2003 Agregados–Determinação da composição granulométrica. Rio de Janeiro.6p.

. NBR NM 53:2003 Agregado Graúdo – Determinação de massa específica, massa específica aparente e absorção de água. Rio de Janeiro. 8p.

. NBR 7809:2006 Agregado graúdo – Determinação do índice de forma pelo método do paquímetro - Método de ensaio. Rio de Janeiro. 6p.

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DNIT – Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes. Manual de Pavimentação. Publicação IPR -179. 3ª ed. Rio de Janeiro, Brasil. 2006. 274p.

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GUEDES, L. E. Caracterização tecnológica de resíduos grossos de pedreiras de rochas ornamentais no Sul do Estado do Espírito Santo para aproveitamento como agregados na base e sub-base de pavimentos. 2016. 92p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Departamento de Geologia – Centro de Ciências Agrárias, Universidade federal do Espírito Santo, Alegre, ES (Brasil).

SILVA, H. V.; CASTRO, N. F. Disponibilidade de resíduos de pedreiras para aproveitamento na pavimentação da BR-101, no Espírito Santo. In: IX Simpósio de Rochas Ornamentais do Nordeste. 2016, João Pessoa, Paraíba, Brasil.

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(*) Hieres Vettorazzi da Silva, Bolsista de Capacitação Institucional, Geólogo; e Nuria Fernandez Castro, Supervisora, Engenheira de Minas, M. Sc. Trabalho apresentado na V Jornada do Programa de Capacitação Institucional do Centro de Tecnologia Mineral (Cetem)